- Vem até mim. Estou aqui neste momento de solidão e nada. Preciso da tua companhia, de um coração quente, de sentir que ainda estou vivo e que posso ultrapassar a tempestade.
- Ainda há a bonança. Ela virá, mas até lá estarei aqui, timidamente ao pé de ti, murmurando sonhos por concretizar, memórias de poeiras de estrela e lágrimas salgadas de saudade. Estou aqui, a tocar subtilmente na tua mão, não tendo força para a agarrar e te dizer que vou estar sempre aqui se tu quiseres que eu fique sempre aqui.
- Mas vamos descoordenarmo-nos, eu sei. Tu és igual a mim, somos tão parecidos que deixamos de ser compatíveis. Mas sim, sei que estás aqui para mim até ao último momento antes do nada. Por isso e pelo teu olhar toco agora para ti, nesta noite de lua cheia onde os nossos corpos não se irão tocar, mas as nossas almas irão entrelaçar-se para sempre na melancolia dos dias.
- Deixa-me suspirar com essa certeza de almas entrelaçadas e desejos irrealizáveis. Intocável sentido de amar, pois amar é nunca conseguir que nos amem, amar é nunca ser amado. Tu és aquele que eu mais amo por nunca poder ser amada por ti. Deixa-me mergulhar nas notas da tua guitarra e ser uma com ela, deixa-me entrar no mundo que existe dentro de ti e ficar lá para sempre. Sou eternamente tua nessa melodia que compuseste para nós. Sei que posso nunca mais mergulhar nos teus olhos de caos e desespero, mas posso sentir cada vibração da tua melodia de calor e paixão.
- Sou teu até ouvires a última nota. Depois disso, sou de ninguém e tu nunca mais vais ficar ao meu lado. Depois da última nota soar, sei que vou desaparecer do teu coração e ficar para sempre à procura de alguém, que como tu, pode ouvir e sentir aquilo que toco. Mas agora, neste momento sou teu, porque a tua alma é minha e a minha sombra é tua.
- Que sombra? Eu sou a tua sombra, o desespero de não sentir, o caos de amar e nunca ser amado, porque amar mesmo é nunca ser amado pela pessoa que se ama. Sei que parece contraditório, mas é isso que eu sou, o teu único e indiscutível amor.
- Vamos então falar de amor, tocar bem baixo os últimos lamentos do nosso Fado. Já sabes o que vêm os meus olhos, já sabes o ritmo do meu coração, o arrepio que sinto que estás demasiado perto de mim, já sabes qual é o sabor dos meus lábios, o cheiro do meu corpo, o som do meu sussurrar ao teu ouvido. Que precisas mais de saber? É este amor assim tão inalcançável? Olho o horizonte onde nasce a esperança de um novo dia e aguardo a resposta que vem dos teus lábios de cetim.
- Nada é impossível. Os meus lábios sabem a papel de partitura caída no esquecimento da tua memória. Estrofes de tempo e espaço de rimas que esquecerás um dia quando sol se puser de novo. Ouve agora o murmúrio do vento, lembra-te que ainda estou aqui para ti. Ainda precisas da minha companhia? Ainda sentes o meu calor? Ainda consegues sentir os meus dedos a afagarem o teu cabelo enquanto olhas para o céu sem estrelas? Tens esperança que este momento dure para sempre e que nada acabe?
- Tudo vai acabar, mas agora não. O momento é nosso ainda, o tempo ainda nos pertence e tudo o que vemos nos olhos um do outro ainda é nosso. Vamos continuar com este nosso lamento de sonhos esquecidos e palavras ainda por dizer. Que venha a tempestade e a trovoada de um Olimpo que já foi nosso. Que venham as marés do tempo, para alagarem os nossos olhares com lágrimas de sal. Que venha o medo de amar e não ser amado, porque é esse o nosso verdadeiro amor. Toca agora comigo estas últimas notas de beijos e sorrisos. Abraça-me e deixa nascer um novo dia.